sábado, 17 de abril de 2010

CONTOS DE QUASE FADAS



4-                                   Vida Fácil  



    Soube que tinha cinco filhos. Ficavam com a mãe, pendurados lá no Morro do Estado. Já a tinha visto pior do que daquela vez. Na imaginação, lá dela, aquela peruca loura, que mais parecia uma vassoura, mudava a cor de sua pele e a deixava, talvez, mais atraente. Como a dentadura postiça que lhe legou aquele tique típico de passar a língua sobre os “marfins”. Na orelha o mesmo brinquinho de camelô de sempre.

    Mas, agora, era diferente. Estava trabalhando “por conta”:

Eu fico mais lá não. Um entra e sai que a gente não tem nem tempo de se lavá. E depois ainda tem que dá metade pra outra lá.

   Baiana passava todos os dias na lojinha para “bater o ponto”, como ela mesma dizia. Era caminho do barraco pro trabalho. Agora estava saindo com um “velho montado na grana”.


Você nunca teve vontade de largar esta vida? Perguntei mesmo já sabendo a resposta.

Pra fazer o que? Nunca aprendi a lê, num vai sê agora. Lavá roupa lá no alto do morro, sem água corrente, dá não. Eu vou me virando aqui em baixo memo, do jeito que posso.


 A peruca ainda esta suja, apenas trocara o alpargatas pela galocha, porque agora chovia.
— Esta foi o velho que me deu. Dada memo. Ele é bonzinho, tadinho.

  As pernas agora cruzadas deixavam aparecer as grossas varizes, acima das meias soquetes.
— Acende aqui- curvou-se até meu cigarro mais uma vez.
    
 Desaba o temporal. Baiana olha o relógio pela milésima vez. Agora caminha a passos largos. Na esquina pára um Maverick vermelho. O motorista estica o braço, entrega-lhe algo, acelera e segue. Ela tenta dizer-lhe alguma coisa, mas sua voz se perde na fumaça solta pelo escapamento. Ela caminha de volta. Vem em minha direção. Tropeça. Xinga um sonoro palavrão. Vejo-a passar a mão sobre o rosto molhado, a peruca ensopada, o senho franzido. Pára. Olha para mim, mostra o dinheiro e pergunta:

_Cê me troca um galo?

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