domingo, 2 de maio de 2010

CONTOS DE QUASE FADAS



              5 -Passagem secreta T-120

Parecia ter alguma coisa de mágico naquele momento: voltar ao lugar onde se nasceu e se criou. Ali, onde agora se erguem modernos espigões, antes se estirava uma pequena vila que mais antes ainda era uma passagem para outra rua. Passagem (na sua infantil imaginação) secreta. Ver aquilo, agora, se transformando dava-lhe uma certa sensação de inconformismo nostálgico. Não. O tempo não deveria ter-lhe tirado aqueles momentos.

Seus olhos procuravam sem sucesso algum rosto conhecido que lhe trouxesse de volta aqueles tempos. Nenhum flash back lhe devolveria a sua vida e a dos anônimos assim como Brenda. Só a memória é capaz de reproduzir nossa vivência. Diz-se que as estrelas não têm idade e que os ídolos são imortais, não envelhecem. Mas os anônimos. Ah!...Esses morrem com a idade que realmente têm. 
Brenda caminha. Atrás, os espigões crescem. Procura a vida. Única trilha: o túnel do tempo , a sua ‘passagem secreta’ .

Mesmo a saudade era melhor do que caminhar pela Avenida Corrientes. Parecia cada vez mais longa, esticada até dar no stand de vendas de Los Caracoles de los Mares Del Sur. Tão suspeito quanto o seu amigo arqueólogo com seus fósseis.


Todos parecem suspeitos quando estamos sós _ deixa escapar.


Ainda carrega consigo o silvato asteca, presente do amigo francês, mesmo que lembre a briga dos rapazes no conjugado da Rodrigues Peña. Estavam drogados e um insistia para que o outro saísse para que ficar a vontade com ela. Os fósseis trepidando na estante improvisada, os dois armados de navalha. O francês jamais a perdoaria.


Em outra casa, em outro lugar, alguém rodopia. Dança. Seu par: uma vassoura. A voz de Gardel leva seus pensamentos aos cabarés, aos tangos, aos dramas sem fim.


_ Maria...Maria... Sua própria voz lhe traz a realidade. Com um profundo suspiro caminha até o stéreo, levanta o braço do toca-disco.


_...Ainda não acabou de varrer esse salón? Estranha a faxineira o seu sotaque falsificado. Escolhe um disco: Maria Creuza agora substitui o cantor portenho: “... Eu não estava longe, não saí daqui...”.


Ela agora não fuma, não bebe, não cheira. É uma quase respeitável senhora da alta. Seu marido mantém atividades bastante suspeitas na fronteira com a Bolívia.


Todos parecem suspeitos quando estamos sós.

No momento, sob o olhar frio do gato de porcelana, a media luz, assiste seu videocassete no sofá de veludo sintético, no tres quatro ocho, da Vieira Soto.

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